terça-feira, 2 de outubro de 2007

Jerusalem - Gonçalo M. Tavares


A literatura portuguesa passa e passará irremediavelmente pelo jovem escritor Gonçalo M. Tavares, ou então, «que seque a minha mão direita».
Confesso que tenho certa predilecção por determinados temas, dos quais a loucura faz parte indubitavelmente da lista. Não foi, portanto, difícil chegar a um dos romances negros de GMT: Jerusalém.
A acção desenrola-se dentro do hospício Georg Rosenberg e fora. A dúvida reside em compreender de que lado está a demência. Atrevo-me a responder que está na «realidade normal». GMT utiliza a imagem de uma caixa negra para explicar esta relação: quem está dentro da caixa vê o que está dentro e o que está fora mas os que estão fora só vêem o que está fora.Georg Rosenberg assemelha-se a uma instituição totalitária: os doentes são obrigados a colocar em causa os seus valores. No entanto, lá dentro, geram-se vidas: Kaas, o menino deficiente, fruto da relação entre Mylia e Ernest Splenger. Theodor Busbeack, marido da perturbada Mylia, adopta o menino apesar de o pai o alertar para não o fazer, pois pode prejudicar a sua carreira. Afinal de que lado está o Bem?Hanna, a prostituta, Hinnerk, ex-combatente de guerra, e Gomperez, médico-chefe de Rosenberg são outras personagens do romance que se vão cruzar num final trágico.
O mal e a busca desesperada das suas raízes constituem a essência de Jerusalém. Theodor Busbeack procura descobrir uma teoria que explique as causas da maldade cometida no passado, do qual os campos de concentração nazi são o mais recente exemplo, e prever o seu futuro. Este é o seu objectivo de vida: chegar a uma simples fórmula que possa antever o destino da humanidade.
A acção não se desenrola cronologicamente: tanto saltamos do presente para o passado como ao contrário. Por vezes até nos deparamos com parágrafos que temos a sensação de já ter lido. Mas afinal, quem disse que a nossa mente está organizada e arrumadinha?
A escrita de GMT é límpida e áspera: todas as palavras estão no peso e proporção certas, não há excessos, tudo que escreve é estritamente necessário e suficiente. O seu humor é trágico, por vezes cruel, mas sempre excessivamente inteligente. Desengane-se o leitor que procura em GMT uma pílula espiritual para o entretenimento das horas vagas.

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